Do G1 GO
Rosângela anda com os filhos até a escola, que fica longe de sua casa (Foto: Elisângela Nascimento/G1)
A doméstica Rosângela de Jesus Oliveira, de 33 anos, não mede esforços
para que seus filhos se dediquem aos estudos. Desempregada, ela percorre
todos os dias 8 km para levar e buscar as crianças na escola. São 4 km
de caminhada com os dois meninos, de 7 e 10 anos, e mais uma menina de 1
ano e 3 meses, de casa até a Escola Municipal Jardim Bela Vista, em
Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana. Quando termina a aula, a
família caminha mais 4 km de volta para casa.
Como não tem dinheiro para pegar ônibus e considera ainda mais
cansativo voltar para buscá-los no fim do dia, a mãe passa as tardes na
calçada em frente à instituição, sentada com o bebê embaixo de uma
árvore. São 4 horas de espera até a saída dos estudantes. “O mais
importante em minha vida é meus filhos estudarem”, garante.
Rosângela fica 4h com a bebê de colo esperando a
saída dos meninos (Foto: Elisângela Nascimento/G1)
Os filhos de Rosângela, Ângelo Gabriel, de 7 anos, e Carlos Vitor, que
completou 10 anos na última quinta-feira (22), dizem que entendem a
importância da educação e prometem recompensar o esforço da mãe em
levá-los para a escola. Considerado pelos professores um aluno aplicado e
responsável, o mais velho já sabe qual é a profissão dos seus sonhos:
“Eu adoro matemática. Vou ser engenheiro mecânico”.
Apesar de ter asma, Carlos Vitor não tem preguiça de andar para
frequentar as aulas. “Não vejo problema não. Mas é claro que eu me
canso, ainda mais por causa da asma. Às vezes, eu tenho falta de ar”,
diz. Já Ângelo fala que não sente cansaço durante a caminhada e tem
gostos diferentes do irmão em relação às disciplinas: “Matemática é
horrível. Eu gosto de pintar. E quando eu crescer, quero ser policial da
Rotam [Ronda Ostensiva Tática Móvel]”.
A rotina de Rosângela e os filhos: saída de casa
(10h30), caminhada pelas ruas de Aparecida de
Goiânia (11h00) e a chegada à escola (12h30)
(Foto: Elisângela Nascimento/G1)
Duas horas e meia de caminhadaA caminhada rumo à
escola dura em média duas horas e meia. Eles saem de casa por volta das
10h30, param uma ou duas vezes para descansar e sempre chegam antes do
início da aula, às 13h. Rosângela mora com os filhos no setor Santa
Luzia, no último barraco da rua, localizado em uma ladeira, parte do
trajeto que ela considera mais difícil. “As subidas são sempre
complicadas e, por isso, paramos algumas vezes para descansar,
principalmente quando o sol está muito forte. Eu e meu filho mais velho
temos asma e sofremos mais no tempo seco”, reclama. Ela e os meninos se
revezam na tarefa de empurrar o carrinho de bebê e levar as mochilas.
A marcha até a escola fica ainda mais difícil porque a família precisa
disputar espaço com carros e outros veículos, já que em vários trechos
do percurso não há calçada e ela passa por avenidas movimentadas.
“Minhas opções de caminho são todas ruins. Eu pegava um atalho antes,
mas passava por uma região muito perigosa, onde outro dia uma bala
perdida acertou o filho de uma conhecida”, justifica.
Ao chegar à escola, Rosângela aproveita para conversar com os
professores sobre a vida escolar dos filhos. Em seguida, quando está
fazendo sol, vai para a esquina se abrigar embaixo de uma árvore na
companhia da filha mais nova, que ainda mama no peito. Nos dias de
chuva, ela e a criança se protegem na marquise de uma casa comercial que
está em reforma, próxima à calçada onde costuma ficar. “Sempre dou um
jeito. Não pode é desanimar, né?”, ameniza.
Vaga em crecheDiretora da escola onde eles
estudam, Josimeire Nogueira de Oliveira revela que já tentou ajudar
Rosângela, sem sucesso, a conseguir vaga em uma creche, para que ela
possa arrumar um emprego. “Doamos cestas básicas, mas não conseguimos
nenhuma vaga em creche para que ela possa deixar a filhinha e poder
trabalhar. Cheguei inclusive a pedir ajuda ao Conselho Tutelar da
região, mas não adiantou. Ficamos muitos comovidos com a história dela e
estamos fazendo o que está ao nosso alcance”, lamenta.
Carlos Vitor reconhece esforço da mãe e quer ser engenheiro mecânico (Foto: Elisângela Nascimento/G1)
A diretora Josimeire reconhece a força de vontade de Rosângela em
garantir que os filhos frequentem a escola: “É realmente impressionante.
É uma das primeiras mães a chegar. Ela traz todos os dias os filhos
para estudar e passa horas esperando-os sair. Como nossa escola é
pública, infelizmente, eu não tenho autorização para deixá-la ficar aqui
dentro no horário da aula”.
Rosângela estudou somente até o 3º ano do ensino fundamental e, por
isso, assegura que faz o que for preciso para que os filhos tenham mais
oportunidades. “Eu me mudei de casa e eles saíram da escola onde
estudavam antes. Depois, quando voltei, não achei mais vaga. Mas eu me
preocupo com o estudo deles e com o cartão de vacina, que eu faço
questão de manter sempre em dia. E não é só porque recebo o Bolsa
Família não. Sinto na pele as consequências de não ter estudado”,
explica.
Ângelo Gabriel, de 7 anos, quer ser policial
(Foto: Elisângela Nascimento/G1)
Vivendo com uma renda de R$ 100 do programa do governo, Rosângela
afirma que às vezes chega a passar fome com os filhos. Ela diz que não
recebe ajuda dos ex-companheiros e nem da família. "Só tenho ajuda de
estranhos", afirma. “A situação só não é pior porque recebo doações de
comida de vizinhos e amigos.”
Ela argumenta que, como não consegue creche para deixar a filha, não
tem como voltar a trabalhar. “Procurei por todo lugar, mas não há vagas.
Algumas dizem que só pegam crianças a partir dos 2 anos e a minha ainda
não tem essa idade”, afirma.
Sem dinheiro para pagar os R$ 180 de aluguel desde o mês passado,
Rosângela teme ser despejada: “Também estou preocupada porque as contas
de luz e água vão vencer e eu não tenho como pagar”, afirma a doméstica.
Matrículas
Em nota oficial enviada ao
G1, a Secretaria de
Educação de Aparecida de Goiânia informou, através de sua assessoria de
imprensa, que “creches filantrópicas conveniadas, do tipo Centro de
Educação Infantil, obedecem a regras próprias no que tange às
matrículas”.