Trata-se de um texto híbrido que oscila entre a literatura e o jornalismo, a crônica é o resultado da
visão pessoal, subjetiva, do cronista diante de um fato qualquer, colhido no noticiário do jornal ou no
cotidiano. Quase sempre explora o humor; às vezes, diz as coisas mais sérias por meio de um aparente
conversa fiada; outras vezes, despretensiosamente, faz poesia da coisa mais banal e insignificante.
Registrando o circunstancial do nosso cotidiano mais simples, acrescentando, aqui e ali, fortes doses
de humor, sensibilidade, ironia, crítica e poesia, o cronista, com graça e leveza, proporciona ao leitor uma
visão mais abrangente, que vai além do fato; mostra-lhe, de outros ângulos, os sinais de vida que
diariamente deixamos escapar da nossa observação.
A crônica: fazendo história
A crônica é um dos mais antigos gêneros jornalísticos. A princípio, com o nome de folhetim,
designava um artigo de rodapé escrito a propósito de assuntos do dia – políticos, sociais, artísticos, literários.
Aos poucos foi se tornando um texto mais curto e se afastando da finalidade de se informar e comentar,
substituída pela intenção de apresentar os fatos do cotidiano de forma artística e pessoal. Sua linguagem
tornou-se mais poética, ao mesmo tempo em que ganhou certa gratuidade, em razão da ausência de vínculos
com interesses práticos e com as informações veiculadas nas demais partes de um jornal.
De seu surgimento aos dias atuais, a crônica ganhou prestígio entre nó e pode-se até dizer que
constitui um gênero brasileiro, tal a naturalidade e originalidade com que aqui se desenvolveu.
Características
Apresenta uma visão pessoal do assunto escolhido.
Há elementos narrativos básicos.
O texto é curto e leve.
Diverte e/ou promove uma reflexão sobre o assunto.
Deu branco
“De notícia e não notícias faz-se a crônica”, afirmava o poeta Carlos Drummond de Andrade. E
quando nenhum assunto acorre à mente do cronista? O jeito é transformar em assunto a falta de assunto...
Muitos cronistas já se queixaram em suas crônicas da falta de assunto, do famoso “branco” que os
acomete, certamente consequência do fato de a maioria das crônicas ser uma obrigação semanal que seus
autores devem cumprir e, portanto, não podem deixar para escrever em momento de inspiração. A arte do
cronista, então, passa a consistir em fazer do seu problema uma solução: dando “branco”, escreve-se sobre o
“branco”.
Ousadia
A moça ia no ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, a contrariedade se anunciou:
– A sua passagem já está paga – disse o motorista.
– Paga por quem?
– Esse cavalheiro aí.
E apontou um mulato bem-vestido que acabara de deixar o ônibus, e aguardava com um sorriso junto
à calçada.
– É algum engano, não conheço esse homem. Faça o favor de receber.
– Mas já está paga...
– Faça o favor de receber! – insistiu ela, estendendo o dinheiro e falando bem alto para que o homem
ouvisse:
– Já disse que não conheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor não está vendo?
Vamos, faço questão que o senhor receba minha passagem.
O motorista ergueu os ombros e acabou recebendo: melhor para ele, ganhava duas vezes.
A moça saltou do ônibus e passou fuzilando de indignação pelo homem. Foi seguindo pela rua, sem
olhar para ele.
Se olhasse, veria que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns passos.
Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício onde morava, arriscou uma espiada: lá vinha
ele! Correu para o apartamento, que era no térreo, pôs-se a bater, aflita:
– Abre! Abre aí!
A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala, contando aos pais atônitos, em termos confusos, a
sua aventura:
– Descarado, como é que tem coragem? Me seguiu até aqui!
De súbito, ao voltar-se, viu pela porta aberta que o homem ainda estava lá fora, no saguão. Protegida
pela presença dos pais, ousou enfrentá-lo:
– Olha ele ali! É ele, venham ver! Ainda está ali, o sem vergonha. Mas que ousadia!
Todos se precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos à cabeça:
– Mas a senhora, como é que pode! É o Marcelo.
– Marcelo? Que Marcelo? – a moça se voltou, surpreendida.
– Marcelo, o meu noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou o apartamento.
A moça só faltou morrer de vergonha:
– É mesmo, é o Marcelo! Como é que eu não reconheci! Você me desculpe, Marcelo, por favor.
No saguão, Marcelo torcia as mãos, encabulado:
– A senhora é que me desculpe, foi muita ousadia...
SABINO, Fernando. Ousadia. In: Para gostar de ler – Crônicas. São Paulo: Ática, 1981
Atividades
1. Com relação ao gênero e a sua estruturação, responda: (D6, D7)
a) Qual é o gênero textual?
b) Qual é o tipo discursivo?
c) Qual é o domínio discursivo desse gênero?
d) Qual é a sua finalidade/função sócio-comunicativa/para que serve/objetivo?
e) Quais são as principais características?
f) Qual é o público-alvo desse texto?
2. Qual é o tema e o assunto do texto? (D1)
3. Onde se passa a história? (D2)
PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA – ANOS FINAIS / SRE - CURVELO
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4. O que Marcelo considerou, no final, que foi muita ousadia? (D3)
5. Nos trechos abaixo identifique a quem/que se referem as palavras destacadas: (D15)
a) “A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala...” (l. 20) ___________
b) “... melhor para ele, ganhava duas vezes.” (l. 13) ___________
c) “Se olhasse, veria que ele a seguia...” (l. 16) ___________/ ___________
d) “... o senhor não está vendo?” (l. 11) ___________
e) “Todos se precipitaram para a porta.” (l. 26) ___________
f) “Marcelo, o meu noivo.” (l. 29) ___________
g) “...que era no térreo...” (l. 18) ___________
6. Nos trechos abaixo que ideia é expressa pelas palavras em destaque? (D11)
a) “De súbito, ao voltar-se...” (l. 23) ___________
b) “...estendendo o dinheiro e falando bem alto...” (l. 9) ___________ / ____________
c) “..., mas, ao saltar, a contrariedade se anunciou:” (l. 1) ___________
d) “Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando...” (l. 11) ___________ / ____________
e) “Se olhasse, veria que ele a seguia...” (l. 16) ___________
f) “Ainda está ali...” (l. 25) ___________
7. Na frase “Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício onde morava...” (l. 17), por qual
palavra podemos substituir o pronome em destaque sem alterar o sentido do texto: (D16)
a) aonde.
b) cujo.
c) no qual.
d) de qual.
8. Na frase “Abre! Abre aí!” (l. 29) o uso da exclamação sugere o que? (D21)
9. Qual é o conflito gerador do enredo? (D19)
10. Por que a moça se envergonha no final do texto? (D12)
11. Nos trechos abaixo coloque O para opinião e F para fato: (D10)
a) ( ) “A sua passagem já está paga.” (l.2)
b) ( ) “E apontou um mulato bem-vestido...” (l.5)
c) ( ) “Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando...” (l.11)
d) ( ) “Se olhasse, veria que ele a seguia...” (l.16)
e) ( ) “...foi quem pintou o apartamento.” (l.12)
Quero voltar a confiar!
Arnaldo Jabor
Fui criado com princípios morais comuns: Quando eu era pequeno, mães, pais, professores, avós,
tios, vizinhos, eram autoridades dignas de respeito e consideração. Quanto mais próximos ou mais velhos,
mais afeto. Inimaginável responder de forma mal educada aos mais velhos, professores ou autoridades…
Confiávamos nos adultos porque todos eram pais, mães ou familiares das crianças da nossa rua, do bairro,
ou da cidade… Tínhamos medo apenas do escuro, dos sapos, dos filmes de terror…
Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo aquilo que perdemos. Por tudo o que meus netos um dia
enfrentarão. Pelo medo no olhar das crianças, dos jovens, dos velhos e dos adultos. Direitos humanos para
criminosos, deveres ilimitados para cidadãos honestos. Não levar vantagem em tudo significa ser idiota.
Pagar dívidas em dia é ser tonto… Anistia para corruptos e sonegadores…
O que aconteceu conosco? Professores maltratados nas salas de aula, comerciantes ameaçados por
traficantes, grades em nossas janelas e portas. Que valores são esses? Automóveis que valem mais que
abraços, filhas querendo uma cirurgia como presente por passar de ano. Celulares nas mochilas de crianças.
O que vais querer em troca de um abraço? A diversão vale mais que um diploma. Uma tela gigante vale mais
que uma boa conversa. Mais vale uma maquiagem que um sorvete. Mais vale parecer do que ser… Quando
foi que tudo desapareceu ou se tornou ridículo? Quero arrancar as grades da minha janela para poder tocar as
flores! Quero me sentar na varanda e dormir com a porta aberta nas noites de verão! Quero a honestidade
como motivo de orgulho. Quero a vergonha na cara e a solidariedade. Quero a retidão de caráter, a cara
limpa e o olhar olho-no-olho. Quero a esperança, a alegria, a confiança! Quero calar a boca de quem diz:
“temos que estar ao nível de…”, ao falar de uma pessoa. Abaixo o “TER”, viva o “SER”. E viva o retorno
da verdadeira vida, simples como a chuva, limpa como um céu de primavera, leve como a brisa da manhã! E
definitivamente bela, como cada amanhecer. Quero ter de volta o meu mundo simples e comum. Onde
existam amor, solidariedade e fraternidade como bases.
Vamos voltar a ser “gente”. Construir um mundo melhor, mais justo, mais humano, onde as pessoas
respeitem as pessoas. Utopia? Quem sabe?... Precisamos tentar… Quem sabe comecemos a caminhar
transmitindo essa mensagem… Nossos filhos merecem e nossos netos certamente nos agradecerão!
Atividades
1. Com relação ao gênero e a sua estruturação, responda: (D6, D7)
a) Qual é o gênero textual?
b) Qual é o tipo discursivo?
c) Qual é o domínio discursivo desse gênero?
d) Qual é a sua finalidade/função sócio-comunicativa/para que serve/objetivo?
e) Quais são as principais características?
f) Qual é o público-alvo desse texto?
2. Qual é o tema e o assunto do texto? (D1)
3. De acordo com o autor quais são os princípios morais comuns? (D2)
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