Com 'força de Deus', mãe que perdeu 2 filhos em incêndio tenta seguir vida
Elaine foi responsável por confortar parentes em velório e enterro.
'Só quero que os responsáveis paguem', disse a mãe de Deives e Gustavo.
Tatiana Lopes
Do G1 RS, em Santa Maria
Elaine Marques Gonçalves conforta a neta (Foto: Tatiana Lopes/G1)
Primeiro Deives, depois Gustavo. Dois dos quatro filhos de Elaine
Marques Gonçalves, 61 anos, que estavam na boate Kiss na madrugada do
dia 27 de janeiro, morreram em razão do incêndio que atingiu o local.
Uma semana após a tragédia, a mãe recebeu o
G1 em sua casa, no bairro Perpétuo Socorro, em
Santa Maria,
Rio Grande do Sul, para mostrar como tenta retomar a vida. Ela busca
apoio na fé, na família e no carinho de pessoas desconhecidas que
oferecem ajuda em meio ao sofrimento causado por sentimentos que se
misturam: saudade e revolta.
É horrível acordar e dar de cara com a realidade"
Elaine Gonçalves
"Essa força é de Deus", explicou Elaine ao ser questionada sobre suas
reações desde o dia do primeiro velório. Foi ela quem confortou amigos e
familiares que não conseguiam conter as lágrimas. A força da mãe
contagia a todos que a cercam. "Me doía ver aquele sofrimento, eles
estavam chorando junto comigo, pelos meus filhos. Foi disso que tirei
forças", completou.
Morreram 237 pessoas que estavam na boate naquela noite. De acordo com a última atualização da Secretaria de Saúde do
Rio Grande do Sul, 114 feridos seguem internados em hospitais.
Na casa humilde, mas aconchegante, Elaine guarda os pertences dos
filhos que ainda moravam com ela. Deives Marques Gonçalves, de 33 anos,
foi velado no domingo, dia da tragédia. O irmão, Gustavo Marques
Gonçalves, de 25 anos, morreu dois dias depois. Ele havia sido
transferido para Porto Alegre, mas não resistiu. Fotos dos dois estão
dispostas pela residência. Nos quartos, roupas de cama, roupas do dia a
dia e objetos variados continuam nos lugares em que estavam. Algumas
coisas, segundo a família, serão doadas a abrigos da cidade.
Mãe mostra fotos de Deivis e Gustavo Marques
Gonçalves, vítimas de incêndio em Santa Maria
(Foto: Tatiana Lopes/G1)
Sentada no sofá com a neta Julia, que completa seis anos em abril,
Elaine tomava chimarrão e lembrava de Deives, seu "companheiro de mate"
diariamente. Julia é filha de seu filho mais velho, Jean, de 36 anos,
com a mulher Simone. Eles estão na casa de Elaine para fazer companhia
nestes dias difíceis. Na mesma casa mora a outra filha, Daniele, de 31
anos.
Durante a conversa, Elaine lembrava de histórias que viveu com Deives e
Gustavo. O mais velho, "mais dependente", segundo ela, passou por
dificuldades em 2007. Teve diagnosticada uma trombose, que curou após
cinco dias de internação no hospital. Para pagar o tratamento, a mãe
recebeu ajuda de uma família de amigos para quem já havia trabalhado.
Com R$ 250, ela pagou exames e terminou o tratamento do filho.
Ela contou que sempre viveu para os quatro filhos. "Sempre fiz de tudo
para eles, sempre quis o melhor e que eles tivessem estudo", disse.
Antes do incêndio na Kiss, Gustavo trabalhava como vendedor em uma loja
no Royal Shopping, em Santa Maria. Deives estava desempregado e tinha
planos de voltar a estudar. Ele chegou a cursar Administração no Centro
Universitário Franciscano (Unifra), também no município, mas não
conseguiu conciliar devido ao horário do trabalho na época. A família
não tinha condições de pagar a universidade particular.
Do G1 RS, em Santa Maria